Rússia busca cérebros e colaboração internacional em pesquisa de ponta
Localizada no centro de Moscou, Misis, universidade pública que se destacou no passado por pesquisas em minas e metalurgia, aposta em parcerias e novas tecnologias de ponta
Pode fazer – 23° C, mas é no subsolo da Misis (Universidade Nacional de Ciência e Tecnologia), em Moscou, que as temperaturas são realmente extremas. No laboratório de supercondutividade, a escala que mede não é a Celsius, mas a Kelvin. Isso significa o estudo de materiais a temperaturas no entorno daquelas em que o nitrogênio, o gás mais presente na atmosfera, se torna líquido: 77 K, ou - 196 ° C. Em outra sala do mesmo prédio, o trabalho é pesquisar novas ligas metálicas. Ali, há um equipamento capaz de elevar as temperaturas a 6.000° C.
A Misis é uma das universidades russas que participam do “Projeto 5-100”. Esses números resumem um programa governamental de colocar as universidades russas no topo dos rankings mundiais do setor. Lançado em 2013, o 5-100 enfrenta algumas dificuldades de financiamento, mas é defendido publicamente pelas universidades, que enxergam nele um projeto de reconstrução de um sistema cooperativo, tanto internacional quanto nacionalmente.
O sistema universitário russo sofreu um enorme baque com o fim da União Soviética. Perdeu professores, pesquisadores e alunos mais arrojados. Perdeu também, evidentemente, muitos recursos e, para complicar ainda mais a situação, teve enormes dificuldades para se adequar às regras de um mundo de ciência unificado. A língua e o alfabeto também afastavam a produção científica russa do resto dos principais centros de pesquisa. Os últimos anos têm sido de uma procura de novos caminhos, que aproximem o sistema, mesmo em sua lógica do dia a dia, de universidades ao redor do mundo.
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Jovens pesquisadores do laboratório que desenvolve nanopartículas magnéticas
Os novos laboratórios da Misis, que ficam situados no subsolo, em espaços de acesso labiríntico, mas acima da estação de metrô Oktyabrskay (da linha circular), com equipamentos importados da Alemanha, Suíça e Japão, principalmente, procuram se tornar um espaço de atração de cérebros – seja de pesquisadores que deixaram o país após 1991, construíram uma carreira no exterior, e que agora planejam voltar a viver ou a desenvolver projetos na Rússia, seja de jovens estudantes de diferentes países.
Um dos mais entusiasmados líderes de pesquisa é Anvar Zahidov, que lançou em julho de 2015 um projeto de desenvolvimento de uma célula fotovoltaica de alta eficiência. Em seu laboratório, a pesquisa se concentra na criação e no desenvolvimento de novas células de captadores de energia solar a partir de híbridos de perovskites. Também professor na Universidade do Texas em Dallas e editor do periódico Journal of Nanoscience, ele aposta que as pesquisas ali desenvolvidas, em parceria com a universidade norte-americana, resultarão em altos ganhos de produtividade em matéria de energia solar.
A combinação de tecnologias nas células, explica ele, permite captar diferentes cores de luz, do infravermelho ao ultravioleta, maximizando a eficiência de cada célula. Mas a pesquisa enfrenta alguns desafios, o principal deles é tentar encontrar meios de substituir o chumbo, um material tóxico, nos perovskitas que integraram o polímero de captação de luz. Como outros pesquisadores, uma de suas missões é convencer empresas privadas da relevância dos estudos e das pesquisas de ponta. Zahidov acredita que países em desenvolvimento, como Brasil e Egito, em que o sol é abundante, deveriam apostar nessas tecnologias.
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A reitora da Nust Misis - Universidade Nacional de Ciência e Tecnologia - Misis - apresenta o projeto da universidade a jornalistas de Brasil, Sérvia, Egito, Polônia, Índia, China e Vietnã, em fevereiro último
A Misis nasce em 1918, como Academia de Minas de Moscou. Nos anos 1930, passa a se chamar Instituto do Aço de Moscou, o que significa que ela foi central no desenvolvimento econômico e técnico soviético, em que a siderurgia e a metalurgia tiveram um papel central. Em 2008, é criada a Universidade Nacional de Ciência e Tecnologia que, em 2014, absorve a Universidade Estatal de Mineração de Moscou. Em 2015, a Misis passa a integrar, pela primeira vez, o ranking da Times Higher Education e em 2016 fica em 19º lugar no ranking das melhores pequenas universidades da THE. A universidade também comemora a 87º lugar obtido no ranking das universidades dos Brics.
No projeto de atração de estudantes estrangeiros, a Misis mantém programas de mestrado em inglês. Nessa lista, incluem-se mestrados em materiais e pesquisa sobre energia solar, nanomateriais inorgânicos, comunicações e relações públicas internacionais, desenvolvimento de software e design aplicado e engenharia avançada de materiais metálicos. A Misis hoje comemora ter recebido mais de 3.600 estudantes e outros países, entre eles 470 alunos de pós-graduação.
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Laboratório de pesquisa com supercondutores da Misis - Universidade Nacional de Ciência e Tecnologia de Moscou
Um dos caminhos buscados pela universidade, e enfatizado pela reitora Alevtina Chernikova, é a integração com empresas no desenvolvimento de pesquisas e no financiamento das atividades da Misis. Chernikova, autora de uma centena de publicações em mais de 90 títulos acadêmicos, aposta num modelo de financiamento duplo da pesquisa, em que o setor público aporte tantos recursos quanto o privado nas pesquisas.
O polo de atração de investimentos mais evidente é o centro de protótipos industriais, liderado por Vladimir Priozhkov. Aprovado em 2012 e com a construção concluída recentemente, em 2016, esse centro de pesquisa conta com uma série de máquinas de ultraprecisão que ainda conta com espaço para receber muitas novas máquinas e mais cientistas.
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Anvar Kakhidov explica a jornalistas a estrutura da perovsquita e os desafios de sua pesquisa
Priozhkov explica que lidera uma espécie de fábrica altamente qualificada, que faz peças únicas. Com passagens pela Citroen e pela Toyota, uma das peças mais conhecidas de Priozhkov, pelo menos nos países frios, é a tocha olímpica dos jogos olímpicos de inverno de 2014, que foi concebida para resistir a situações de stress: ela passou pelo polo Norte, pela Estação Espacial Internacional e pelo fundo do lago Baikal.
Uma das pesquisas de ponta que conduz é a produção de assentos para naves espaciais russas. Nesses casos, explica, nunca haverá uma produção em série da peça: ela tem de ser perfeita, anatômica, e se encaixar sem nenhum tipo de erro no conjunto da espaçonave. A precisão nanomilimétrica das peças ali produzidas, explica, é garantida pela estabilidade do terreno, mesmo ele estando acima de uma estação de metrô: uma espessa camada de concreto separa o subsolo da universidade do metrô.
Mas os potenciais de pesquisa não se esgotam aí: em outra sala de difícil acesso, pesquisadores trabalham com nanopartículas magnéticas, com objetivos medicinais. O objetivo central é produzir substâncias metálicas inertes que possam ser postas em circulação sanguínea e atraídas por meio de imãs para a região em que deve atuar – como cérebro ou próstata –, uma tecnologia que pode vir a reduzir em muito os efeitos colaterais de terapias contra o câncer, por exemplo.